5 erros que você deve evitar ao criar personagens negros

Imagem retirada de Freepik

Olá, Contextinhos! Sei que andei sumida nas últimas semanas, mas estou de volta. E cheguei trazendo um conteúdo super pertinente e que tem tudo a ver com o assunto da semana: o Dia da Consciência Negra.

O Dia Nacional da Consciência Negra foi instituído em 2011 pela presidenta Dilma Rousseff com a Lei nº 12.519/2011.

20 de novembro foi a data escolhida para esse evento. Ela faz referência ao dia em que Zumbi, líder do Quilombo de Palmares, fora assassinado pelos bandeirantes em 1965 (ALSE).

Mais do que uma homenagem ou celebração, essa data tem como finalidade denunciar um problema estrutural muito grave que está longe — muito longe — de acabar no Brasil: o racismo.

Neste artigo, você vai conferir os seguintes tópicos:
  • O racismo acabou no Brasil?
  • Racismo estrutural: o que é e suas consequências
  • Racismo e representação na mídia
  • 5 erros que você deve evitar ao criar personagens negros

Leia também: Tive uma ideia para escrever um livro, e agora?

O racismo acabou no Brasil?

Existe uma visão senso comum bastante equivocada de que não existe mais racismo no Brasil e que isso é coisa do passado ou que esse não é um problema tão grave assim. Afinal, se a abolição da escravatura aconteceu há mais de um século, não há motivo para se preocupar, certo?

Hum, não.

Primeiro, porque a sociedade brasileira se estabeleceu a partir da mão de obra escrava, que culminou na violência e no apagamento da identidade dos povos oprimidos nesse processo. Nosso país foi o último a abolir a escravatura, e o fez por pressão do comércio externo, sem garantir a devida indenização aos grupos escravizados.

Isso significa que nunca houve um interesse real em reparar os danos causados por toda as violências desse período histórico, resultando em um problema estrutural que ainda persiste nos dias de hoje.

Racismo estrutural: o que é e suas consequências

Muito difundido nas redes sociais, você provavelmente já ouviu esse termo por aí. Ele denomina a tendência de grupos sociais serem beneficiados em detrimento de outros a partir da discriminação. No Brasil, os grupos brancos são historicamente privilegiados em relação aos pretos, pardos e indígenas.

Por exemplo, apesar de serem a maioria da população brasileira (54%), esses grupos não estão representados no Congresso, não ocupam ou ocupam minoritariamente posições de poder dentro de corporações, não exercem profissões tidas como elite e também não são representados ou são de forma rasa, estigmatizada e estereotipada pela mídia (vou aprofundar esse tópico daqui a pouco).

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Foto dividida em duas. Na parte de cima, pessoas brancas de jaleco pousado para foto. Na de baixo, pessoas pretas e pardas vestidas de gari.
Foto retirada do Facebook da Mídia Ninja.

Além dessas estatísticas da esfera macro, existem as microagressões cotidianas: enquanto pessoas brancas são bem-vindas e se sentem confortáveis em lugares de alto e médio poder aquisitivo, pessoas negras são frequentemente vistas com desconfiança e rejeição.

Aqui vão alguns exemplos: o segurança que segue o consumidor dentro do estabelecimento, a atendente que ignora ou trata com arrogância a presença da compradora, a recepcionista do karaokê que barra a entrada do cliente, porque ele está usando mochila (muito específica, né? Essa eu vi acontecer) e constrangimentos diários que pessoas brancas não passam e nunca vão passar.

Pior do que o constrangimento são as consequências graves que isso causa, como jovens pretos e periféricos que são mortos ou presos porque foram “confundidos” com bandidos pela polícia. Só no último ano, a cada 100 pessoas mortas pela polícia, em sete estados brasileiros, 86 eram negras.

E o racismo estrutural não para por aí: toda manifestação artística, de fé e até mesmo os traços físicos associados a esses grupos tende a ser rejeitado, marginalizado e alvo de piadas/perseguições.

A perseguição religiosa, por exemplo, começa com a piadinha “chuta que é macumba”, passa pela interrupção dos ritos por batidas policiais e alcança a proibição da manifestação da fé em determinados bairros até a queima/ vandalização dos terreiros e assassinatos dos crentes dessas fés.

Mas Ana, o que isso tem a ver com a escrita?

Eu te respondo: tudo!

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Racismo e representação na mídia

Como dito anteriormente, as representações de pessoas negras seguem sempre o mesmo padrão de estereótipo. Isso acontece porque roteiristas, diretores, escritores e artistas nasceram nessa mesma sociedade, em que o racismo estrutural molda nosso comportamento e cultura.

E então, o ciclo nunca se rompe: pessoas pretas sendo retratadas sempre de forma negativa, rasa e estigmatizada e reforçando o preconceito já existente.

Nós, que escrevemos, temos um grande poder e responsabilidade em mãos: quebrar ciclos nocivos que existem dentro da sociedade e criar narrativas que rompam com padrões que machucam e matam pessoas, trazendo uma nova percepção de histórias que já foram contadas antes.

É importante ter cuidado em como, quando e o que retratar nas nossas narrativas. Dito isso, confira abaixo os 5 erros que você deve evitar ao criar personagens negros.

Para este texto, usei como referência os artigos Pessoas brancas criando e escrevendo personagens negras (Vinícius Neves Mariano) e Sete esteriótipos racistas que devemos parar de reproduzir (Salon Line). Convido você a lê-los na íntegra.

5 erros que você deve evitar ao criar personagens negros

1. Atribuir estereótipos racistas

Eu sei que essa pode parecer óbvia, mas você sabe exatamente quais são esses estereótipos? Se não consegue identificá-los, fica difícil evitar, certo? Por isso, segue abaixo uma lista de alguns deles.

1.1 O criminoso/violento

Em um recente estudo feito pela Paramount Global, 23% dos negros se sentem representados como criminosos em produções feitas em filmes e séries. Esse, de fato, é um clássico em filmes de ação, investigação e violência policial. Se seu livro segue algum desses gêneros, tenha cuidado com suas escolhas na hora de compor um personagem.

Experimente trocar os papéis designados tradicionalmente, por exemplo.

1.2 A mulher barraqueira e de “personalidade forte”

Esse está cravado no nosso imaginário coletivo, com personagens como Rasputia, em Norbit, uma comédia em peso (2007) e Rochelle, De todo mundo odeia o Chris (2005-2009). Essas personagens sempre seguem o mesmo padrão de comportamento, e estão fortemente associadas à filmes e séries de comédia como alívio cômico.

Se seu objetivo é escrever um livro com pitadas de humor, use outros recursos para isso. Existem várias formas de gerar divertimento sem recorrer a arquétipos preconceituosos.

1.3 A mulher como objeto sexual

Você com certeza já ouviu a frase “morena da cor do pecado”, que erotiza e reduz mulheres negras ao lugar de objeto de desejo sexual. Na dramaturgia e literatura brasileira é impossível não se lembrar de Rita Baiana, em O cortiço (Aluísio de Azevedo, 1890) e Gabriela Cravo e Canela (Jorge Amado, 1958). Além de misógino, esse estereótipo reforça problemas muito graves para as mulheres pretas, como a solidão da mulher negra e o assédio/violência sexual.

Então, ao criar uma personagem feminina, tenha cuidado para não reduzi-la a esse papel.

1.4 Pessoas negras em lugar de subalternidade

Em várias telenovelas brasileiras percebe-se o mesmo padrão de personagens brancas como protagonistas de suas próprias histórias, ricas e com carreiras bem-sucedidas, ao passo em que personagens negras sempre são retratadas em posições inferiores, que existem em função da necessidade dos outros, e carreiras que não garantem um crescimento profissional. Tenha cautela ao definir qual será a ocupação do seu personagem.

2. Criar para “preencher uma cota”

Sabe aquele seriado em que a protagonista é branca, o par romântico é branco, a rival é branca, o professor é branco, em suma, todos são brancos, mas há uma única personagem inserida ali que é preta?

Ou aqueles filmes de suspense/terror em que os personagens negros sempre são os primeiros a morrer?

Pois bem, esses personagens são criados para “preencher uma cota”. Ou seja, autor os insere sem o mínimo cuidado e profundidade, quase como se dissessem: “Não sou racista, crio até personagens negros, olha aqui.”

Mas o personagem não tem contexto, história, família, não faz diferença para o enredo e não é relevante, de forma que a narrativa pode muito bem existir sem ele. De que adianta esse tipo de inclusão?

Não faça isso, escritor. Ao criar um personagem, certifique-se de que você está, de fato, criando um personagem. Não um objeto narrativo para seguir uma tendência de mercado.

3. Descrever de forma rasa e superficial

Enquanto personagens brancos ganham uma vasta lista de adjetivos e descrições minuciosas, o autor não se disponibiliza a fazer o mesmo quando os personagens são pretos, reduzindo-os às mesmas descrições de sempre. Por exemplo:

Personagem branca

“Os cabelos cor de fogo de Lara descem em largas aspirais até a cintura, tão fina quando os traços de seu rosto. Os olhos, amendoados, têm cor de oceano. De sua pele lisa e delicada como uma porcelana emana um leve perfume .”

Personagem negra

“Mara tem pele escura, os olhos castanhos e cabelo cacheado. Dona de uma personalidade forte.”

E isso vale tanto para as características físicas quanto as de personalidade.

Certifique-se de destinar a mesma quantidade de linhas para a apresentação de cada personagem, conforme, claro a importância de cada um dentro da narrativa.

4. Limitar os personagens à sua cor

Como dito anteriormente, o racismo é um problema estrutural, que impacta diretamente na qualidade de vida, segurança e bem estar de pessoas negras. Entretanto, elas não vivem em função disso.

Não crie um arco do personagem que o reduza a ocupar a função de educar pessoas brancas e ensiná-las sobre o que é racismo, e que sua profissão, identidade, ocupação, etc. seja sempre sobre isso. Para ilustrar o que quero dizer, trago dois exemplos citados no texto de Vinícius Neves:

  • Madalena é uma personagem negra de 45 anos especializada em questões de injúria racial e racismo.
  • João Paulo tem doze anos, é negro e sofre desde cedo com piadas racistas sobre seu cabelo.

Vale ressaltar que a problemática do racismo pode e deve ser abordada dentro da narrativa, mas é necessária coerência e ponderamento. Pesquise bastante sobre racismo estrutural e seus reflexos no cotidiano, converse com pessoas que já passaram por situações assim, procure entender o panorama completo antes de definir as cenas e o arco dos seus personagens.

5. Usar vocábulos racistas

“Negra da cor do pecado”, “mulata”, “cabelo ruim”, “cabelo duro”, “preto de alma branca, “não sou tuas negas”: essas são apenas algumas das expressões que devem ser evitadas no desenvolvimento do seu livro e na descrição de suas personagens. Revise aqui a lista completa.

Por fim, use e abuse do bom senso. Se ainda estiver com dúvidas, não deixe de pesquisar e conversar com pessoas que podem te ajudar a saná-la e buscar referências sobre as situações abordadas.

Observação: nas minhas pesquisas não encontrei um consenso sobre o uso dos termos preto/negro. Por isso, usei ambas palavras no desenvolvimento do texto.

Bom, é isso. Espero ter ajudado! Muito obrigada por ter lido até aqui e até a próxima.

Publicado por Ana Itagiba

Escritora, editora, revisora textual formada em letras pela UFG. Produtora de conteúdo para redes sociais e web. Autora dos livros Patético Oásis, O Experimento. Idealizadora do Concurso Escrita em Ação.

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